Se
fosse um santo, feriado certamente seria o mais aclamado por quem trabalha
cinco dias por semana, oito horas por dia. Talvez seja por isso que, a cada
ano, duas datas costumam causar frisson em todos os brasileiros: Natal e Carnaval.
A
primeira surge de um contexto cristão, a segunda é declaradamente pagã. Uma
quer que o homem exponha seus sentidos mais altruístas. A outra pretende que
cada um extravase seu ser animal. Salvo as caraterísticas próprias de cada
data, uma coisa é certa: o Carnaval soa muito mais verdadeiro que o Natal.
Primeiro
porque o Carnaval é uma festa mundana. A mais mundana das festas, na teoria e
na prática. E nunca quis transparecer outra coisa. Uma vez ao ano, os
brasileiros são convocados a soltarem seus instintos mais oprimidos. Dançar,
pular, cantar e agir de forma bizarra, como jamais se faria em um churrasquinho
de domingo.
Do
outro lado, o Natal comemora o nascimento de Cristo, mas é difícil lembrar outro
momento em que o aniversariante é o menos lembrado da festa. Deveria ser uma
celebração de paz, mas se transformou numa festa de promoções e descontos.
Deveria promover a troca de bons sentimentos, mas o marketing e a ganância
humana deram outro nome a isso: troca de presentes. Na teoria, uma festa
sagrada. Na prática, mais um festejo mundano.
De
hipocrisia ninguém pode acusar o Carnaval. É claro que há interesses
comerciais, e quem disse que não há? Ora, ainda vivemos no capitalismo. A
fantasia principal é não ter fantasias, o que é conveniente se levar em
consideração que vivemos num país tropical.
O
Natal esquece essa premissa. Enfeitam-se casas com pinheiros e neves
artificiais, tentando recriar um efeito europeu impossível debaixo do calor
cruel do nosso país. E só o amor de Cristo pra ter piedade daquelas fotos com
gorrinho de natal na cabeça. Seria pra esconder do sol?
Nus,
nas vestes e nas intenções, o Carnaval não esconde a sujeira debaixo do tapete.
Pelo contrário, escancara pra quem quiser ver. É o mais próximo que o Brasil
conseguiu chegar da Grécia Antiga: o prazer pelo prazer. Sem demagogia, pão e
circo, e pronto.
Lembrar-se
dos que sofrem é ótimo. Mas por que só no Natal? Os mutirões para dar comida e
brinquedo aos pobres me causam ânsia. É claro que há exceções, que há grupos
que trabalham o ano inteiro no combate à miséria. Mas vai me dizer que você não
conhece ninguém que faz isso apenas no Natal, com uma certeza absoluta de estar
fazendo a diferença na humanidade?
E o
Papai Noel! Ah, o Papai Noel! Aquela carinha gorducha e sua risadinha simpática
nunca me enganaram. O bom velhinho de bom não tem nada. Dar presentes apenas às
crianças que foram boazinhas durante o ano? Que grande maneira de levar a
mensagem de benevolência e paz, não? Não sei o que é pior: os pais fingirem que
enganam as crianças, as crianças fingirem que acreditam ou ambos fingirem acreditar
que esse gesto possa ser uma demonstração de amor.
Essa
história de voltar a ser criança no Natal é conversa pra boi dormir. Isso
ocorre no Carnaval. Só isso pra explicar homens barbados vestindo-se de mulher,
mulheres vestidas de muito brilho e pouco pudor, e todo mundo requebrando até o
chão como se a quarta-feira de cinzas nunca fosse chegar.
Com
dívidas e ressacas a mais, o Natal e o Carnaval terminam e, no fim, tudo volta
ao normal. Até o dia que essas datas batem novamente às nossas portas, nos
convidando a viver tudo aquilo que já sabemos. Mas esquecem de avisar um
detalhe importante: o que não se vive durante um ano inteiro, dificilmente será
vivido em um único feriado.
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